Editada em 1984, a Lei de
Execuções Penais (LEP) deve passar por reformas profundas em breve. O Senado
Federal encomendou um anteprojeto a juristas e profissionais da área. A
comissão responsável pelos estudos foi instalada no último dia 4 de abril, sob
a presidência do ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Abaixo, alguns dos assuntos tratados pela LEP que devem ser discutidos pela
comissão de juristas.
Súmulas
Seis súmulas do STJ abordam
diretamente a execução penal. A mais recente, de número 493, impede que seja
aplicada como condição para o regime aberto uma situação já classificada pelo
Código Penal como pena substitutiva autônoma. Para os ministros, exigir que o
condenado prestasse serviços à comunidade para obter o regime aberto resultaria
em dupla penalização.
Salto
Por outro lado, a Súmula 491
impede a progressão de regime “por salto”. Ou seja: é ilegal a progressão
direta do regime fechado ao aberto. Em um dos precedentes considerados para
edição do verbete (HC 191.223), o preso tinha o direito de passar ao regime
semiaberto desde 2006, mas foi mantido em regime fechado até 2009 por falta de
vagas em estabelecimento adequado ao regime mais brando.
O juiz da execução autorizou
a progressão retroativa, em vista do atraso na implementação do benefício,
contando o prazo como se o preso estivesse já no regime semiaberto desde 2006.
Assim, antes mesmo de ser efetivamente transferido a esse regime, ele já deveria
passar ao regime aberto. Para os ministros, no entanto, o entendimento
contraria a LEP, que impõe que o preso cumpra um sexto da pena no regime
fixado, antes de poder progredir.
Prisão
domiciliar
Mas se a progressão por
salto é vedada, o STJ também não admite que o condenado cumpra pena em regime
mais grave que o merecido. Assim, se não há vaga em estabelecimento adequado ao
regime a que faz jus o preso, ele deve ser mantido em regime mais brando (HC
181.048).
Exame
criminológico
O prazo é o requisito objetivo
para a progressão. O requisito subjetivo está retratado na Súmula 439. O
verbete autoriza exame criminológico como requisito para a progressão, desde
que justificado em cada caso específico.
Até 2003, a lei obrigava o
exame em todos os casos. A nova redação exigiu “bom comportamento” e motivação
da decisão pela progressão. Para o STJ, apesar de não ser mais obrigatório, o
laudo pericial para aferir a adequação do preso à realidade do regime mais
brando é um instrumento a serviço do juiz, quando este entenda necessário e
fundamente sua opção (HC 105.337).
Saída
temporária
Já em 1992, o STJ editou
também a Súmula 40, ainda aplicável. O verbete prevê que, para a obtenção dos
benefícios da saída temporária e do trabalho externo, basta ao réu que esteja
em regime semiaberto e tenha cumprido um sexto do total da pena, não
necessariamente nesse regime.
Crimes
hediondos
A Lei dos Crimes Hediondos,
de 1990, originalmente impedia qualquer progressão de regime aos condenados
pelas práticas nela listadas. Porém, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo
entendimento já manifestado pelo próprio STJ, entendeu que a lei era
inconstitucional.
O Congresso editou nova lei
em 2007, permitindo a progressão para tais crimes, mas com prazos maiores em
cada regime do que os previstos na LEP. Para o Ministério Público, como a lei
mais nova permitia a progressão antes vedada, ela era mais benéfica e deveria
ser aplicada mesmo para crimes cometidos entre 1990 e 2007.
Mas o STJ consagrou na
Súmula 471 o entendimento de que a nova norma é mais prejudicial. No HC 83.799
— um dos precedentes que a embasaram —, os ministros esclareceram que, diante
da inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos original, a única
legislação aplicável naquele período seria a LEP.
Assim, a nova lei, ao
aumentar de um sexto para dois quintos (ou três quintos, no caso de
reincidência) os prazos para progressão, é mais prejudicial ao condenado e
inaplicável para os fatos anteriores à sua vigência.
Remição
pelo estudo
Em 2003, o STJ já reconhecia
o direito do preso à remição de pena pelo estudo, incorporado à legislação em
2011. O entendimento foi fixado também na Súmula 371. Pela remição, o preso
ganha um “desconto” no tempo da pena, de um dia a cada três de trabalho ou de
estudo. Para o ministro Gilson Dipp, relator do Recurso Especial 445.942, que
embasou o enunciado, o objetivo da LEP ao prever o desconto de pena pelo
trabalho é incentivar o bom comportamento e a readaptação do preso ao convívio
social.
Assim, a interpretação
extensiva da lei, para permitir igual desconto pelo estudo, atende a seus
objetivos e dá aplicação correta ao instituto. “A educação formal é a mais
eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade”, afirmou o atual
vice-presidente do STJ.
Falta
grave
Se o preso comete falta
grave, no entanto, ele perde parte dos dias remidos. O STJ entende (REsp
1.238.189) que essa punição não ofende o direito adquirido, a coisa julgada ou
a individualização da pena, já que a remição é um instituto passível de
revogação. Atualmente, são faltas graves, por exemplo, fuga, rebelião e uso de
celular.
O Tribunal também entende
que a prática de falta grave implica interrupção (isto é, reinício da contagem)
do prazo para progressão de regime, mas não para o livramento condicional e a
comutação da pena (EREsp 1.197.895).
Regime
aberto
O STJ rejeita, porém, a
remição por estudo ou trabalho no regime aberto. É a situação retratada no REsp
1.223.281. Nesse caso, a Justiça do Rio Grande do Sul havia concedido o
“desconto”, por entender que não havia impedimento legal para a medida. O
ministro Og Fernandes reiterou a jurisprudência pacífica do STJ, afirmando que
a lei prevê expressamente o benefício apenas para os regimes fechado e
semiaberto.
O ministro Og Fernandes foi
também o relator do Habeas Corpus 180.940, no qual se flexibilizou a LEP para
permitir que fosse dado ao condenado um prazo razoável para buscar ocupação
lícita.
O texto legal exige que a
prova de disponibilidade de trabalho imediato seja feita antes da progressão ao
regime aberto. Porém, o ministro considerou que a realidade é que pessoas com
antecedentes criminais tenham maior dificuldade no mercado de trabalho formal,
e observar a previsão literal da lei inviabilizaria a existência do benefício.
Indenizações
Fora da esfera estritamente
penal, o STJ também já decidiu sobre a responsabilidade do estado pela
superlotação. Diversos processos trataram do dano moral sofrido pelo detento
submetido a presídio com número de presos muito superior à lotação.
Diante de posicionamentos
diversos entre as Turmas do Tribunal, foi julgado um Embargo de Divergência
sobre o tema. No EREsp 962.934, prevaleceu o entendimento de que a concessão de
indenização individual ao submetido a superlotação ensejaria prejuízo à coletividade
dos encarcerados, ao reduzir ainda mais os recursos disponíveis para
investimentos públicos no setor.
A avaliação do ministro
Herman Benjamin no REsp 962.934 foi confirmada pela 1ª Seção. Pela decisão, não
faz sentido autorizar que o estado, em vez de garantir direitos inalienáveis e
imprescritíveis titularizados pelos presos, pagasse àqueles que dispusessem de
advogados uma espécie de “bolsa-masmorra” em troca da submissão diária e
continuada a ofensas indesculpáveis.
A decisão não transitou em julgado.
O processo encontra-se suspenso em vista da repercussão geral do tema,
decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário
580.252. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Fonte: Revista Consultor
Jurídico, 27 de abril de 2013