03/07/2012 Sob nova lei, juiz
mandou morador de rua ficar em casa à noite em SP
Defensora pública recorreu
afirmando que preso não tinha onde se recolher.
Lei de prisões faz um ano sob
críticas, e nº de presos provisórios aumentou.
A Lei 12.403, que há um ano criou
medidas cautelares alternativas para evitar a prisão preventiva em crimes menos
graves, foi utilizada por um juiz de São Paulo para determinar que um morador
de rua se recolhesse em domicílio à noite. O problema, para a Defensoria
Pública, era óbvio: em que domicílio?
A utilização das novas medidas
cautelares pelos juízes vem sendo alvo de críticas. Segundo a Defensoria
Pública, a opção de juízes pela fiança vem fazendo com que a lei tenha o efeito
inverso: os presos provisórios (os que ainda não foram julgados) continuam a
aumentar no país.
Nesse caso, o morador de rua,
primário, foi preso em flagrante por furto no dia 7 de julho de 2011, apenas
três dias após a lei entrar em vigor. No Dipo (Departamento de Inquéritos
Policiais e Polícia Judiciária), um juiz
aplicou medida de fiança de R$ 200.
A defensora pública Milena J.
Reis, que atua no Dipo, pediu a dispensa da fiança no dia 12 de julho. O Dipo
então substituiu a medida por outras duas: monitoração eletrônica
(tornozeleira) e recolhimento noturno. "Foi um choque", diz Reis
sobre quando viu a decisão. "Como vai se recolher à noite em sua
residência se ele está em situação de rua?"
Entre a prisão e a substituição
da medida, o homem ficou 5 dias preso em um Centro de Detenção Provisória. Uma decisão
definitiva favorável só veio, no entanto, em setembro. Veja
trecho a seguir:
A 14ª Câmara da Seção Criminal do
TJ-SP cassou a decisão do Dipo, entendendo que o próprio juiz tinha admitido
que o morador de rua não tinha residência fixa. O Tribunal de Justiça derrubou
a decisão do Dipo em habeas corpus foi impetrado no dia 19 de julho. "Tal medida já nasceu para ser
descumprida”, argumentou a defensora no pedido. “Isso porque, ao ser solto, não terá domicílio para se recolher à noite
e automaticamente estará descumprindo o recolhimento domiciliar noturno.”
Reis pediu que fosse concedida a
liberdade provisória imediatamente, ou caso negada, aplicada a medida de
comparecimento periódico em
juízo. Assim o homem, que não tem residência fixa, poderia ir
ao cartório saber sobre seu processo.
Sobre a tornozeleira, ela alegou
que “o paciente é morador de rua,
provavelmente, usa parcas vestimentas e, por conseguinte, a monitoração
eletrônica ficará exposta estigmatizando-o e afrontando veementemente a sua
dignidade”.
Inócuo
A liminar foi negada no dia 20 de
julho por um desembargador. O caso só voltou a ser analisado apenas dois meses
depois, no dia 15 de setembro. A 14ª Câmara da Seção Criminal do Tribunal de
Justiça cassou a decisão do Dipo.
Segundo o relator do habeas
corpus, Fernando Torres Garcia, o próprio juiz que determinou o recolhimento
reconheceu que o morador de rua não possuía residência fixa e ocupação lícita.
“Tacitamente admitiu ser ele morador de rua, o que, por si só, torna
inócuo o recolhimento noturno em domicílio, porquanto inexistente”,
escreveu.
"Foi no que eu baseei o
pedido", diz a defensora. Segundo ela, o delegado tem o dever de colher
esse tipo de dado no auto de prisão em flagrante. "Geralmente o indiciado
fala."
Já sobre o monitoramento
eletrônico, o desembargador considerou que a medida não fere a dignidade
humana, como argumentou a defensora, mas que, para este caso, “emerge
demasiada”.
“Além do mais, cabe ressaltar que se o paciente for realmente condenado
poderá, ao que tudo indica, ter algum benefício ou ter estipulado regime mais
brando para cumprimento de sua eventual reprimenda”, completou.
Para o juiz corregedor do Dipo,
Alex Tadeu Zilenosvski, que comentou a aplicação da nova lei no departamento,
pode haver uma "falha" na legislação ao prever que o juiz decida,
logo de início, sobre a manutenção da prisão. “O que o juiz tem em mãos quando ele decide isso? Basicamente é o auto
de prisão em flagrante.
Na massa dos casos, não tem muita informação ali. O juiz não
tem uma bola de cristal”, afirma.
"É lógico que o juiz erra também, mas esses eventuais erros são
perfeitamente reparáveis, o próprio juiz pode reparar, ou então o Tribunal de
Justiça, no habeas corpus. Cabe à Defensoria e aos advogados esclarecerem”,
completa.
Fonte: Rosanne D'Agostino Do G1, em São Paulo