02 setembro 2013

Sentença Judicial Confusa e sem nexo

A confusão se deu em sentença do juízo da 36ª vara Cível da comarca da capital/RJ expedida em ação ajuizada por homem que sofreu acidente de trânsito envolvendo carro da empresa Light S.A.. Apesar do aparente equívoco, em sua fundamentação, o juiz de Direito Rossidelio Lopes da Fonte retomou o caso da matéria.
Segundo a decisão do magistrado, "no cotejo das provas apresentadas, não se sustenta o pedido com as provas carreadas aos autos, sendo certo que, por se tratar de uma situação fática, ganha relevo e destaque a prova testemunhal e procedida a dilação probatória, não há como se formar o convencimento do juízo que os fatos ocorreram como narrados na inicial".
Ao concluir, o juiz julgou o processo improcedente e o extinguiu com apreciação do mérito. Tratou, então, da gratuidade da Justiça como se tivesse sido concedida, no entanto, o benefício não havia sido pedido.

Sentença
A.R.D. propõe AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO c/c REPARAÇÃO POR INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS c/c ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face de LOJAS AMERICANAS S/A e GRAMERCY PARTICIPAÇÕES LTDA. Na inicial, de fls.02/18, a autora alega o seguinte.
Ter a primeira ré aceito um cheque sustado no valor de R$85,73 e com assinatura falsificada, em 1997, que foi levado a protesto pela segunda ré em 2007. Em decorrência disso, sustenta não ter conseguido obter um empréstimo com o banco em 2012, quando teve ciência do protesto.
Pelo exposto, requer a antecipação da tutela para determinar a exclusão do protesto do cheque, além de confirmá-la ao fim do processo; a declaração que o débito é prescrito, inexistente e inexigível; bem como a condenação por danos morais decorrente do protesto do título considerado indevido.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 19/56.
Deferimento da antecipação dos efeitos da tutela e gratuidade de justiça às fls. 59.
Rés devidamente citadas às fls. 65/67.
Audiência de conciliação às fls. 83, presente a parte autora e as partes rés, que ofereceram contestação.
Na contestação da primeira ré às fls. 84/100, alega que sofreu frustração do pagamento por ter havido devolução do cheque decorrente da emissão de contraordem do emitente. Sustenta que após a devolução, transferiu o direito de cobrança para a segunda ré. Argumenta ainda que seus funcionários recebem treinamento e orientação, de modo que agiram com cautela ao receberem o cheque, afastando, assim, a hipótese de fraude. Defende a ausência de responsabilidade civil, cabendo, em verdade, ao Tabelião do Cartório de Protesto de Títulos pelo protesto irregular. Atenta também para a ilegitimidade passiva e para ausência de interesse de agir.
Com base no exposto, pede que sejam acolhidas as preliminares de mérito ou que a ação seja julgada totalmente improcedente.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 101/175.
Na contestação da segunda ré, às fls. 176/197, alega não possuir responsabilidade por não ser a destinatária original do título e que, ainda que se sub-rogue nos direitos do crédito do credor, não se aplica às obrigações primitivas. Argumenta não haver prescrição da pretensão executiva, uma vez que o crédito ainda é exigível via ação monitória. Sustenta também a inexistência de responsabilidade civil pelo protesto.
Ante o exposto, requer que seja a ação julgada totalmente improcedente, mantendo o protesto como válido até o efetivo pagamento.
Com a contestação da segunda ré, vieram os documentos de fls. 198/232.
Juntada de prova documental superveniente da primeira ré às fls. 243/273.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Trata-se de ação sumária de responsabilidade civil com origem em acidente de tráfego onde o autor alega que o preposto da ré foi o responsável pelos seus danos e busca ressarcimento pelos danos materiais, morais e estéticos sofridos.
A apuração de danos entre particulares é apurada através da responsabilidade subjetiva, na forma do art. 186 do Código Civil, onde é requisito necessário que o agente tenha agido, pelo menos, com culpa em qualquer grau para o resultado do evento lesivo.
Os requisitos necessários para vingar a pretensão autoral seriam: a ocorrência do ato ilícito, a culpa ou dolo do agente, o nexo de causalidade e o dano sofrido. Tais requisitos são ônus do autor comprovar para formar o convencimento do juízo.
Encerrada a instrução não me parece que não restou comprovado o necessário nexo causal do evento lesivo. Encerrada a instrução o suporte probatório apresentado não forma o convencimento do juízo de que os fatos ocorreram como narrado na inicial.
O BRAT - boletim de registro de acidente de tráfego - não é conclusivo visto que os envolvidos remeteram a culpa para o oponente. No gráfico da colisão tem-se que os veículos bateram de frente sendo que os dois alegam que a parte contrária adentrou em mão de direção oposta. Inconclusivo. Além do mais, não há testemunhas do fato o que fragiliza a comprovação do nexo causal.
Neste caso o juízo reconhece que a indenização por seguro obrigatório de acidentes de veículos automotores - DPVAT - seria o suficiente para indenizar a autora por evento sofrido em razão de sua imprudência.
Em suma, no cotejo das provas apresentadas, não se sustenta o pedido com as provas carreadas aos autos, sendo certo que, por se tratar de uma situação fática, ganha relevo e destaque a prova testemunhal e procedida a dilação probatória, não há como se formar o convencimento do juízo que os fatos ocorreram como narrados na inicial. Neste processo, na forma do art. 333, I, do CPC o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito seria do autor que alegou que a culpa do evento seria do preposto da ré e tal fato não restou demonstrado nos autos.
Trago à colação o seguinte julgado:
“Quem pede ao juiz tem o ônus de afirmar fatos que autorizam o pedido, logo tem o ônus de provar os fatos afirmados. Assim, tem o autor o ônus da ação. Quem quer fazer valer um direito em juízo deve provar os fatos que constituem seu fundamento” “( Ac. uUm da 1.ª Câm. Do TARS, de 10.08.1993, Apel. 193.117.652, Rel. Juiz Heitor Assis Ramonti. )”.
Em suma, cada litigante tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que deseja ver aplicado pelo judiciário na solução de um litígio, cabendo ao julgador, no momento da decisão, quando os princípios relativos aos ônus da prova se transformam em regras de julgamento, impor a derrota a quem tinha o encargo de provar e não conseguiu suporte probatório convincente. Neste caso, o autor não logrou materializar suas alegações em provas e seu pedido deve ser improvido, permaneceu a dúvida se efetivamente os fatos narrados na inicial ocorreram e em caso de dúvida, o pedido deve ser julgado improcedente.
Assim sendo, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com apreciação do mérito, na forma do Art. 269, I do CPC condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em dez por cento do valor oferecido à causa, quantias esta devidamente corrigida e acrescida dos juros legais da data distribuição da ação até a data do efetivo pagamento, suspendendo esta cobrança por força do Art. 12 da lei 1060/50, já que se trata de beneficiário da gratuidade de justiça. Certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
P R I
Rio de Janeiro, 27/08/2013.
Rossidelio Lopes da Fonte - Juiz Titular


Fonte: D.O.U – Migalhas.com.br

01 setembro 2013

A mediação e o notariado


     O direito brasileiro vive uma revolução silenciosa. Pequenos ajustes introduzem mudanças na Justiça. A economia exige esses avanços. Primeiro, foi a aceitação da arbitragem. Agora é a vez da mediação e da conciliação. A Resolução nº 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o Provimento nº 17, de 2013, da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) de São Paulo, são passos dessa marcha.
     Mediação e conciliação são práticas antigas de ordenação pública. Incentivar o notariado a exercer essas funções é boa escolha. Registros públicos são voltados ao aprimoramento do direito. Fazer cumprir as leis é objetivo do sistema jurídico. O Judiciário é caminho de satisfação do anseio. Outras organizações que contribuam para a concretização do direito - especialmente segmentos reconhecidos pela população, como serventias extrajudiciais - também são bem vindas.
     Nossa cultura promove excessiva judicialização dos conflitos. Pensamos em termos de proibições precisas e no direito como a "regra do jogo". O resultado é que as pessoas se sentem maltratadas pela Justiça. Na mediação, o importante não é proibir: é favorecer o acordo. Mediador não resolve e não reprime. Escuta e informa sobre as possibilidades da lei. Deixa a decisão para as partes. Na mediação, o conflito é utilizado para melhorar a qualidade de vida das pessoas, não para submetê-las à decisão de terceiros.                        
     O notário sempre atua como mediador. Orienta e mostra o que o direito autoriza, mas nada decide. Mediador não sentencia. Facilita a saída consensual. Essa vocação é inerente à função notarial. A imparcialidade do notário tem raízes em fundamentos diversos daquela do juiz: o mediador é imparcial para permitir que as partes construam a decisão; o juiz é imparcial como condição de legalidade da sua decisão.
     Nada proíbe o instrumento particular e o auxílio de leigos na mediação. Evidentemente, também nada impede a presença do advogado. Porém, ela não é obrigatória. Na presença do tabelião a situação não muda. Qualquer instrumento que possa ser elaborado por particulares, com ou sem mediadores, poderá ser lavrado em cartório, por instrumento público. Diga-se o mesmo da mediação facilitada pelo notário. Diferenças importantes estão no fato de que a solução notarial gozará de fé pública, primará pelo respeito às leis vigentes e terá confidencialidade. Mas, apesar de altamente recomendável, a presença do advogado não é obrigatória, assim como não o é para a maioria das escrituras. Exceção feita a inventário, partilha, separação consensual e divórcio - escrituras que exigirão assinatura dos advogados-, na mediação ela não será obrigatória.
     O Provimento nº 17/2013, que implementa a mediação extrajudicial, é questionado no CNJ. Alega a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) que essas funções só poderiam ser criadas por lei e que a participação do advogado seria obrigatória. Há exagero na posição. Quando da elaboração da escritura, o notário sempre atua como mediador. Orienta e mostra o que o direito autoriza, mas nada decide. Limita-se a controlar a legalidade e facilitar o acordo.
     A Lei de Arbitragem também faculta às partes eleição de árbitro, representação por advogado e limita o objeto às causas que digam respeito a "direitos patrimoniais disponíveis", isto é, que possam ser exercidos livremente pelo titular. São as mesmas características que acompanham o provimento da CGJ: facultatividade da eleição do terceiro (notário mediador), possibilidade (não obrigatoriedade) de representação por advogado e limitação da atividade a questões que envolvam "direitos patrimoniais disponíveis". Nas arbitragens é rara a dispensa do advogado. Nas mediações ocorrerá o mesmo. Assim como as arbitragens ampliaram o mercado de advogados, mediações alargarão os horizontes da advocacia.
     Paira preocupação de que o ambiente dos cartórios não seja propício à mediação. Duas seriam as razões: notários são delegados de serviço público controlados pelas corregedorias e teriam feições burocráticas incompatíveis com a flexibilidade da mediação. Quanto à primeira crítica, há que se sublinhar que, pela Constituição de 1988, serviços notariais são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Não há vinculação pessoal ou submissão hierárquica ao Judiciário na gestão dos serviços. A qualificação dos títulos submete-se exclusivamente à lei. E, caso o serventuário tenha dúvidas, judicializa a questão, com as garantias do contraditório. Tudo reforça a independência. Quanto aos vícios burocráticos, preconceito à parte, ainda não nos demos conta de como o ingresso por concurso e os avanços tecnológicos rejuvenesceram as práticas notariais.
     Nenhuma instituição sobreviveria sem ineficiência. O sistema de notariado latino demonstra versatilidade milenar. Está presente em mais de 80 países, dentre eles Alemanha, França e Japão. Há tendência mundial para sua adoção, como mostram Ásia e ex-União Soviética. Em muitos lugares, notários são mediadores. O grande Joaquín Costa dizia, no início do século XX, que "o número de sentenças deve observar razão inversa ao número de escrituras: teoricamente, "notaría abierta, juzgado cerrado"". Em 1950, o não menos extraordinário Carnelutti lembrava: "Quanto mais notário, menos juiz." Com um século de atraso, o direito brasileiro se movimenta no sentido dessa revolução silenciosa. Para o bem de juízes, notários, advogados e do cidadão.
Fonte: Valor Econômico
Celso Campilongo
Professor titular da Faculdade de Direito da USP
Chefe do Departamento de Teoria do Direito da PUC-SP
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.

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