Aprender com a cabeça e com o coração



O maior desafio do mundo da informação é, para quem estuda, como organizá-la, como encontrar critérios que viabilizem a organização da informação e que  permitam, com isto, torná-la disponível quando necessária. Ora, tais critérios são, antes de tudo, formas de pensar e de sentir, ou seja, formas de viver. Quem pretende enfrentar o mundo da informação somente com a cabeça, com  abstrações, não irá muito longe. O excesso de informação mal compreendida, mal armazenada, significa o mesmo que confusão. Não há muita distância entre confusão e falta de informação. Não será possível chegar ao conhecimento crítico, inovador, com uma relação meramente racional diante das informações. Este é o caminho da congestão mental. O acúmulo de dados, seja em computadores, seja em cérebros vivos, não representa conhecimento. A análise, a fragmentação dos dados, sem uma correspondente síntese, não leva a nenhum conhecimento útil e pode, pelo contrário, levar a muitos conhecimentos inúteis.
A alternativa é aprender com a cabeça e com o coração. O grande desafio da sociedade da informação é estimular uma saudável relação emocional tanto quanto racional com as informações. Como eu reajo emocionalmente diante do conhecimento? Se imagino que um professor, um programa de computação, um curso televisivo, ou seja, lá o que for vai colocar na minha mente um determinado conhecimento, então estou pressupondo que minha mente é algo como uma caixa vazia ou um papel em branco a ser preenchido. Estou, neste caso, pressupondo que sou objeto e não sujeito do processo de conhecer. Não tenho percepção de quanto a emoção está ocupando minha mente, desviando as informações, relacionando-as em forma de rede com minha vida cotidiana, com meus sonhos e desejos. Não estou percebendo que o discurso do professor ou de alguma outra fonte de informação é apenas parte do processo de aprendizado e que, se eu deixar que esta parte fique desacompanhada da emoção, da minha emoção, do meu zelo e cuidado, tudo será um amontoado de palavras ou dados inúteis, uma perda de tempo, um desperdício em todos os sentidos.
Aprender com a cabeça e com o coração é colocar-se em movimento diante as informações. É fazer perguntas diante das afirmações. É abandonar a obsessão pela certeza absoluta e definitiva diante do conhecimento científico, filosófico, ou seja, lá de que outro tipo for. É começar a olhar tanto para o texto, quanto para o contexto do texto, quanto para o meu processo íntimo de autoquestionamento. Preciso saber observar meus pensamentos e sentimentos, sem agarrar-me a eles, sem pretender descanso nas convicções, pois estas podem ser becos sem-saída do processo de aprendizagem.
Aprender com a cabeça e com o coração implica em conviver com as incertezas. E tomar o conhecimento sempre dentro de contextos, sempre ligado a uma perspectiva ou teoria que o delimite, que me permita ver as falhas, as limitações, as lacunas do próprio conhecimento. Não posso pretender agarrar-me a algo que considero passível de afundar a qualquer momento. E se o conhecimento é aprendido com a razão tanto quanto com a emoção, há sempre este risco. A emoção representa, para o conhecimento, seu contexto mais insondável, algo como o mar aberto em torno de uma ilha de idéias bem organizadas. Ou, no máximo, de um arquipélago. Conhecer não é percorrer terras planas e seguras. Conhecer é viajar por espaços delimitados pela ignorância e pelo risco do retrocesso.
A aprendizagem é um compromisso fundamentalmente emocional. O ensino é um compromisso com a estimulação, com a provocação, com a orientação da aprendizagem. Ninguém pode ensinar a quem não quer aprender, a quem não se encontra disponível para as incertezas e em busca de conhecimento. Não é possível orientar quem está parado e não pretende ir a lugar nenhum. Não  é possível orientar sem aprender a orientar com o orientando. Ensinar é fundamentalmente aprender. Aprender a enfrentar o desafio da vinculação da emoção com a razão no processo de conhecer e, além disso, enfrentar o desafio de criar meios, mecanismos, recursos, instrumentos, estratégias e táticas que mobilizem, no educando, sua emoção em paralelo com sua razão. Esquecer ou reprimir a primeira em função da segunda, sob a alegação de que a emoção apenas atrapalha o conhecimento científico, é retroceder mais  de um século na psicologia da aprendizagem.
Aprender é uma aventura e quem ensina não deve interromper a viagem do aprendiz com falsas bóias salva-vidas. Aprender com o aprendiz é buscar, com ele, maneiras de reconstruir o conhecimento em parceria, com base nas vivências e reflexões propiciadas pelas dinâmicas de grupo, pelas circunstâncias geográficas e históricas vividas no momento da aprendizagem, pelas várias estratégias de ensino-aprendizagem, valorizando tanto a análise quanto a síntese, tanto a cultura escrita quanto a expressão oral, a capacidade de interação e de estabelecer e cumprir compromissos. Aprender um conteúdo é não apenas dominá-lo, mas envolver-se com ele, habitá-lo, transformá-lo em algo renovado pela vida que nele depositamos.
Aprender a aprender é realmente o mais importante na sociedade da informação. Estar em busca de, estar ideologicamente inquieto, insatisfeito, é pré-condição de aprendizado efetivo. Ter aprendido algo significativo implica em conseguir emocionar-se, até certo ponto, toda vez que nos relacionamos novamente com tal conteúdo. Quem aprendeu com a cabeça e com o coração sempre tem algo mais a dizer sobre o que parece ter aprendido. Consegue reemocionar-se toda vez que se envolve com o aprendido. Assim, torna-se mais persuasivo, convincente, quando busca partilhar seu conhecimento com os demais. A representação do aprendido não é apenas uma re-apresentação do conhecido, em forma racional, abstrata. É também uma representificação, uma nova viagem, um novo mergulho.
Fonte: BOEIRA, Sérgio Luís. Aprender com a cabeça e com o coração. [S.l.: s.n.].

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