Juiz nega conversão de união estável homoafetiva em casamento



O juiz de Direito Carlos Castilho Aguiar França, da 3ª vara Cível da comarca de São Carlos/SP, negou o pedido feito por A.F. da S. e J.P. de A., pessoas do mesmo sexo, para converter sua união estável em casamento.
No entender do magistrado, o sistema vigente não admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, consequentemente, não admite a conversão da união estável homoafetiva. Com base no art. 226 da CF/88, o magistrado afirmou que o casamento é instituto restrito às pessoas de sexo diferente. "Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher'. Eis a confirmação de que a Constituição faz, sim, exigência de diversidade de sexo dos nubentes, pois se não o fizesse, certamente teria referido se referido ao gênero humano, sem distinguir sexo", concluiu.
Outro dispositivo lembrado pelo julgador foi o art. 1514 do CC, que estabele:
"O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados."
Na decisão, o juiz Carlos Castilho diz que os pretendentes não ficarão à margem do direito, "pois estão protegidos pelas regra do Contrato de Convivência que firmaram e por aplicação de direitos inerentes à união estável, já reconhecidos na própria legislação e na jurisprudência, além de sedimentados por recente decisão do Supremo Tribunal Federal, a qual, cumpre destacar, não cuidou ainda de casamento, mas apenas de efeitos jurídicos da união homoafetiva." A decisão foi proferida na última quinta-feira, 11.
Veja abaixo a íntegra da sentença.
PODER JUDICIÁRIO
SÃO PAULO
JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO CARLOS
Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais
Feito Nº 1.056/2011
A. F. da S. e J. P. de A., pessoas do mesmo sexo, pediram a conversão de sua união estável em casamento.
Exibiram documentos, dentre eles o contrato de convivência firmado em 11 de julho de 2008.
O Ministério Público objetou, ponderando que a legislação brasileira ainda não admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que se amparam os requerentes, não proporciona entendimento diverso.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Lamentavelmente, o sistema vigente ainda não admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, conseqüentemente, não admite a conversão da união estável homoafetiva. Por isso o indeferimento do pedido.
O casamento, no âmbito da legislação, é instituto restrito às pessoas de sexo diferente, conforme se extrai do artigo 226, § 3º, da Constituição Federal: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Eis a confirmação de que a Constituição faz, sim, exigência de diversidade de sexo dos nubentes, pois se não o fizesse, certamente teria referido se referido ao gênero humano, sem distinguir sexo.
No Código Civil, o artigo 1.514 estabelece: O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. Mais adiante, no artigo 1.517: O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Destarte, também a lei exige diversidade de sexo, seguindo os passos da Constituição Federal. Ao assim dispor, o Código está induvidosamente se referindo ao homem e à mulher “naquele” casamento e não a um e a outra, em união com outras pessoas, eventualmente do mesmo sexo.
Ambos os dispositivos estão regulamentando uma determinada relação jurídica, o casamento.
Se não houvesse importância para o sexo das pessoas, mas apenas para o gênero humano, a legislação não explicitaria o homem e a mulher como personagens da relação e utilizaria termo designativo comum a ambos.
Destarte, com a devida vênia, não acompanho a conclusão tirada pela ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias, de que nem a Constituição nem a lei, ao tratarem do casamento, fazem qualquer referência ao sexo dos nubentes, inexistindo impedimento então, em sua douta opinião, quer constitucional, quer legal, para o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Manual de Direito das Famílias, Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2007, página 144).
Era necessário a Constituição dizer que casamento é união entre homem e mulher? Alguém tinha dúvida a respeito do conceito, para tornar necessário esclarecimento na Constituição? A resposta é negativa. Da mesma forma que na foi necessário tornar a monogamia um princípio constitucional.
Ao juiz não compete mudar a lei, função reservada ao próprio legislador. Ao juiz se permite criticar a demora na discussão da legislação a respeito, apesar do reclamo da sociedade, a exemplo de antigo projeto de lei da Deputada Marta Suplicy, mas não cabe assumir a função legislativa.
Observem-se clássicas definições de casamento no direito brasileiro. Para Lafayette Rodrigues Pereira: O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre. Para Clóvis Beviláqua: O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente ... . E outra, no direito francês, de Josserand: Casamento é a união do homem e da mulher, contraída solenemente e de conformidade com a lei civil (v. Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, 4ª edição, 2007, páginas 22/23).
Efetivamente, a Constituição Federal Brasileira, por enquanto, só admite casamento entre homem e mulher, consoante enfatiza o eminente Desembargador Carlos Roberto Gonçalves: Esse posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos romanos. A diferença de sexos constitui requisito natural do casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões homossexuais. A Lei Maior veda, inclusive, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, só a admitindo entre homem e mulher (ob. cit., pág. 28).
Tem como pilar o pressuposto fático da diversidade de sexo dos nubentes (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, Editora Saraiva, 18ª edição, 2002, 5º volume, página 55), pois o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados (Código Civil, artigo 1.514).
Não houve mudança legislativa: a diversidade é exigência.
Houve críticas ao Código Civil de 2002, por não ter cuidado da união de pessoas do mesmo sexo. O Professor Miguel Reale as rebateu, considerando-as apressadas, inoportunas e sem sentido, por ser a matéria de direito constitucional, não cabendo ao legislador ordinário mudar a Constituição (conforme Carlos Dias Motta, Direito Matrimonial E Seus Princípios Jurídicos, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2009, página 260).
Inadmissível o casamento, inadmissível também a conversão da união estável.
Nem se diga que os pretendentes ficarão à margem do direito, pois estão protegidos pelas regra do Contrato de Convivência que firmaram e por aplicação de direitos inerentes à união estável, já reconhecidos na própria legislação e na jurisprudência, além de sedimentados por recente decisão do Supremo Tribunal Federal, a qual, cumpre destacar, não cuidou ainda de casamento, mas apenas de efeitos jurídicos da união homoafetiva.
Aguarda-se a publicação do v. acórdão, pelo STF, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277, mas o que se conclui do quanto já anunciado é que se decidiu pelo reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e pela aplicação analógica dos direitos correspondentes à união estável, sem a ela conceder o status de casamento. A propósito, nem toda união estável pode ser convertida em casamento, pois pessoas casadas, mas separadas de fato ou judicialmente, sem divórcio, podem viver em união estável mas não podem convertê-la em casamento, enquanto este não for dissolvido. Assim, mesmo reconhecendo a união estável nessa situação e também para as relações homoafetivas, a conversão em casamento não será possível.
Confira-se o comunicado expedido pelo STF, ofício nº 81/PMC, de 9 de maio de 2011:
Comunico a Vossa Excelência que o Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária realizada em 5 de maio de 2011, por unanimidade, conheceu da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, como ação direta de inconstitucionalidade. Também por votação unânime julgou procedente a ação, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, para dar ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. Atenciosamente, Ministro CEZAR PELUSO Presidente.
Observe-se o voto proferido pelo Ministro Ayres Britto:
Julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva.
Este juízo, ao negar a conversão da união estável homoafetiva em casamento não estará discordando de Sua Excelência, pois não negará a qualidade de entidade familiar, nem deixará de aplicar as regras e conseqüências compatíveis com a união estável heteroafetiva. Relembre-se, comparativamente, a hipótese do artigo 1.723, § 1º, segunda parte, do C. Civil, em que se reconhece a união estável, sem possibilidade de casamento enquanto não superado o impedimento.
O Ministro Ricardo Lewandowski enfatizou, em seu voto, que o texto constitucional é taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diferentes, o que não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226, propugnando então por empregar-se instrumento metodológico de integração, para reger uma realidade social superveniente à vontade do constituinte, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo. Sua Excelência reconheceu cuidar-se de entidade familiar e que aplicam-se a ela as regras do instituto que lhe é mais próximo, qual seja, a união estável heterossexual, mas apenas nos aspectos em que são assemelhados, descartando-se aqueles que são próprios da relação entre pessoas de sexo distinto, segundo a vestusta máxima “ubi eadem ration ibi idem jus”, que fundamenta o emprego da analogia no âmbito jurídico. Efetivamente, por seu entendimento, aplicam-se as prescrições legais relativas às união estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações.
O Ministro Marco Aurélio também declarou voto, concluindo ser obrigação constitucional do Estado reconhecer a condição familiar e atribuir efeitos jurídicos às uniões homoafetivas, julgando então procedente o pedido para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil, veiculado pela Lei nº 10.406/2002, a fim de declarar a aplicabilidade do regime da união estável às uniões entre pessoas de sexo igual.
Concluindo, depreendo que o sistema normativo exige diversidade de sexo para o casamento e que enquanto não houver alteração legislativa não pode ser realizado por pessoas do mesmo sexo. Em conseqüência, inadmite-se a conversão da união estável homoafetiva em casamento, embora se lhe apliquem as regras e efeitos jurídicos da união estável, que sejam compatíveis.
Diante do exposto, indefiro o pedido apresentado por A. F. da S. e J. P. de A..
P.R.I.C.
São Carlos, 11 de agosto de 2011.

Carlos Castilho Aguiar França
Juiz de Direito

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