Justiça Restaurativa e o Estatuto da Criança e do Adolescente
A experiência de países como
o Canadá e a Nova Zelândia, que adotaram nacionalmente e de modo institucional
a Justiça Restaurativa, tem apontado eficácia no trato com adolescentes
infratores.
No Brasil, a preceito
aplicável aos menores de 18 anos é o ECA - Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Há uma convergência entre
ECA e Justiça Restaurativa.
O ECA prevê medidas de
proteção – artigo 101, aplicáveis as crianças e aos adolescentes com direitos
violados e/ou na iminência de os serem e as medidas sócio-educativas, aplicadas
especificamente a adolescentes infratores, previstas no artigo 112 e seguintes,
que podem valer-se das práticas restaurativas. Na prática de ato infracional,
as autoridades - representante do Ministério Público, anteriormente ao
procedimento e o Juiz de Direito -, durante o processo – podem promover a
participação do adolescente, de sua família e da vítima, na busca de uma
efetiva reparação dos danos e de uma responsabilização conscienciosa do
adolescente infrator.
Assim é que se põe a difusão
dos princípios e práticas da justiça restaurativa como estratégia eficaz de
envolvimento participativo e empoderamento de crianças, adolescentes, bem como
suas famílias e comunidades, na resolução de situações de conflito, bem como de
promoção de direitos.
Conceito e Fundamentação
Teórica
A justiça restaurativa
emerge a partir de um conjunto de iniciativas surgidas na década de 70 do
século XX buscando modificar o modo de lidar com atos caracterizados como
crime, sobremaneira, em três grandes esferas:
• no fundamento do sistema
criminal a partir de uma revisão histórico-crítica do modo como são
compreendidos os conflitos entre pessoas e grupos sociais e o papel assumido
pelo Estado diante deles;
• no modo de resolução
desses conflitos e os direitos das diferentes pessoas envolvidas, tanto direta
como indiretamente, inclusive o próprio Estado;
• na compreensão dos
objetivos pretendidos com essa resolução, considerando o impacto esses atos
produzem nos “ofensores”, “vítimas”, na comunidade em que se inserem e na
sociedade como um todo, representada pelo Estado.
Diante da controvérsia na
literatura especializada quanto aos fundamentos da justiça restaurativa,
atualmente, tende-se a considerá-la um conceito aberto que se constrói em torno
de valores, processos e/ou seus resultados/objetivos.
De maneira singela, a
Justiça Restaurativa pode ser definida como um processo de resolução de
conflito participativo por meio do qual pessoas afetadas direta e indiretamente
pelo conflito (intersubjetivo, disciplinar, correspondente a um ato infracional
ou a um crime) se reúnem voluntariamente e de modo previamente ordenado, para
juntas (geralmente com a ajuda de um facilitador) estabelecerem pelo diálogo um
plano de ação que atenda as necessidades e garanta o direito de todos afetados,
com esclarecimento e atribuição de responsabilidades.
Portanto, as práticas
restaurativas implicam ajuste patente e cônscio entre as partes envolvidas. Sem
esta consonância, não haverá opção a não ser apelar ao procedimento habitual.
Como o mote da violência e
da criminalidade está, em princípio, agregado a relações tumultuadas que
evoluem de forma descontrolada, as cognominadas práticas restaurativas –
soluções de conciliação informal de conflitos guiados pelos ideais da Justiça
Restaurativa – constituem um prestigioso instrumento de implementação da
cultura de paz em termos tangíveis.
A Justiça Restaurativa
edifica-se na aceitação de que o sistema punitivo clássico concentra-se
demasiadamente no aparato estatal (juiz, policial e promotor) e no vulto do réu
e de seu defensor, remetendo a apreciações ensimesmadas a cerca da infração,
rememorando-a para a vista disto penitenciar o acusado.
Com isso, a vítima é
apartada do processo, ficando desamparada em suas perda materiais e, mormente,
emocionais causadas pela transgressão a ela e as pessoas de suas relações
afetivas, bem como do grupo sentimental do próprio violador, que igualmente
padece os reflexos da infração. Ao afastar o foco do prejuízo – ou do abalo
social ocasionado pelo delito – a Justiça retributiva afasta a culpabilidade
emocional do infrator, visto que nela não há ambiente para a sinceridade, para
a transparência afetiva e para o diálogo, elementos constitucionais de
procedimentos de pacificação. Por conseguinte, tal aparelhamento gera o aumento
das confusões e a persistência da violência.
Daí a veemência dos
questionamentos colocados pela Justiça Restaurativa, que vão ao cerne das
relações de poder para assinalar os sinais beligerantes a que estas relações se
submetem, não se atendo às críticas, indicam estratégias para qualificar a
intercâmbio dos membros envoltos no conflito de modo a não só pacificá-lo,
todavia ao mesmo tempo propiciar que o aprendizado emocional aprimore a todos.
Referenciais normativos
Entre os referenciais
normativos em âmbito internacional da Justiça Restaurativa cite-se a Resolução
do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Resolução 12/2002), que
conceitua e aborda os princípios básicos para utilização de programas de
Justiça Restaurativa em matéria criminal. Para além da esfera criminal,
especialmente na área da justiça juvenil, cite-se as Regras de Beijing (Regras
mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e
Juventude) e as Diretrizes de Riad (Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção
da deliquência), que possibilitam que os princípios restaurativos estejam em
sintonia com ações voltadas à prevenção, garantidoras de direitos.
Na legislação brasileira
apesar de inexistirem dispositivos expressos prevendo a aplicação de práticas
integralmente restaurativas, o Código de Processo Penal, a Lei nº 9.099/95 e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (sobretudo o instituto da remissão), prevêem
a utilização de métodos de composição de conflitos de acordo com os princípios
restaurativos, sem afronta ao direito processuais.
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