Juiz decide que homem vivo permanecerá morto para sempre
O cidadão de Arcardia Donald Miller, legalmente morto desde 1994, ficou
em pé diante do juiz Allan Davis para ouvir a sentença: não tem mais direito à
vida. Aos olhos da lei, Miller, 61 anos, permanecerá morto enquanto viver. Ele
perdeu o prazo para requerer a revogação de sua morte.
A lei é clara, explicou o juiz de um tribunal em Fostória, onde o morto
vive agora. O prazo para requerer a reversão de uma decisão de morte é de três
anos. Ele demorou muito mais que isso para fazê-lo. Por isso, não pode
recuperar seu status de ente vivo agora.
O juiz Allan Davis não teve qualquer dúvida sobre isso. Afinal, ele
mesmo assinou a decisão que declarou Miller morto, em 1994, oito anos depois
que ele havia desaparecido, observados os prazos regulamentares. Não se pode
peticionar nada fora do prazo.
Miller não pode tirar carteira de motorista, que também serve como
identidade. Nem pode recuperar seu registro no Social Security, a
previdência social dos EUA. Órgãos públicos não emitem documentos para mortos,
depois que a Certidão de Óbito é expedida.
Também não pode ter emprego fixo, não pode abrir conta em banco, porque
não tem documentos. Não tem direito aos privilégios do mundo dos vivos. E, a
propósito, vive ilegalmente em Fostória, porque sua certidão de nascimento, que
atesta sua cidadania americana, perdeu a validade há anos.
Em contrapartida, ele escapa de certos problemas dos vivos. Nenhum juiz
pode, por exemplo, mandar prender Miller por sua dívida estimada em US$ 26 mil
dólares, em pensão alimentícia não paga à ex-mulher e aos filhos. Mortos não são
condenados à prisão.
De acordo com o The Courier e a agência UPI,
Miller contou, com sua voz suave, nada tenebrosa, portanto, o que aconteceu. A
"culpa" foi da "cachaça" americana. Por causa do
alcoolismo, perdeu a família, o emprego, os amigos e o que mais tinha a perder.
Saiu "andando pelo mundo" sem destino, sem eira nem beira.
Miller parou de beber por um motivo que os vivos conhecem muito bem:
falta de dinheiro. Fez todo o tipo de "biscate" para sobreviver. Em
2005, quando estava em Atlanta, na Geórgia, as coisas melhoraram. Com algum
dinheiro no bolso, voltou para sua terra. Passou primeiro em Arcadia, depois
foi para Fostória. Seus pais lhe deram a notícia: você está legalmente morto,
desde 1994.
O acardiano tentou engajar sua ex-mulher na luta por sua vida, mas não
conseguiu. Ao contrário, Robin Miller lutou pela validade da Certidão de Óbito.
Ela teria, por exemplo, de devolver todos os "benefícios" que recebeu
do Social Security desde a "morte" do ex-marido, se
sua vida fosse restaurada pela Justiça. Mas ela manifestou a pretensão de
receber a pensão alimentícia que ele ficou devendo. Isso não vai acontecer:
mortos não pagam.
"Essa situação é estranha, muito estranha", reconheceu o juiz
ao anunciar sua decisão. Ele deixou claro que lei é lei, prazo é prazo. Têm de
ser obedecidos, não importa o quê. Mas a decisão pode inspirar a comunidade
jurídica americana, bem como a parlamentar, a discutir se o bom senso não faz
parte da origem das leis, tal como os usos e costumes. E, portanto, deva ser
respeitado. Antes que se torne um morto vivo.
Alguns advogados acreditam que o primeiro julgamento, o da decisão de
que Miller estava legalmente morto, deveria ser anulado. Afinal, seu direito ao
devido processo foi violado: ele não foi suficientemente notificado e intimado
por um oficial de justiça de que uma ação judicial fora movida contra ele.
"As notícias de minha morte foram grandemente exageradas" – Mark
Twain.
Por João
Ozorio de Melo
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